Sobre tumores e câncer

Elsa Villon
2 min readMay 18, 2024

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Eu lembro de quando você chegou com o diagnóstico. Estava abatido na aula, dizendo que suspeitavam de linfoma. Era uma quinta-feira, algumas semanas antes do meu aniversário. Eletiva de ética e religião. Te escrevi um bilhetinho dizendo que tudo iria ficar bem.

O diagnóstico se confirmou e ficamos mais próximos. Você ía me ensinar a tocar “Chão de Giz” no bandolim. Chegamos a ir na Teodoro Sampaio para pesquisar preços de bandolim. Você me chamava de pobre e ria. Visitamos a Benedito Calixto e você falou que se encontrasse qualquer item de Dragon Ball, seria obrigado a comprar.

A doença se agravou. Você se afastou para se tratar. Nunca me deixou te visitar no hospital. Nos domingos que estava em casa, me ligava religiosamente às 18h e botava o Moving Pictures para tocar. Eu não consigo ouvir esse álbum até hoje.

O último ano da faculdade chegou. Você mandou mensagem perguntando sobre o início do semestre. Foi a última vez que nos falamos. Não consegui ir ao seu velório, eu estava devastada. Fui na missa de sétimo dia. Conheci seu pai, conversamos. Daí nasceu o Instituto Força, Gui.

Um ano se passou e eu tinha 25 anos e crises horríveis de enxaqueca. Entre exames, um tumor na hipófise. Estava sozinha na consulta, saí chorando e não consegui ir trabalhar.

Foram 4 anos de exames recorrentes para acompanhamento. Se o tumor crescia, se afetava a minha visão, se podia virar algo mais sério. Não virou, calcificou e tirando a vista cansada e o astigmatismo, enxergo muito bem.

Depois disso, veio o diagnóstico da minha mãe. Câncer na vesícula, um dos mais raros que há e um dos mais letais pela metástase no aparelho digestório. E assim como você, ela lutou. E assim como você, ela descansou. Mas eu continuo aqui, com um tumor calcificado e imensas saudades de vocês dois.

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