Menos de 10% de jovens de até 24 anos tomou a bivalente no município de São Paulo

Elsa Villon
7 min readSep 17, 2023

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Medo dos efeitos colaterais, preguiça e esquecimento são algumas das causas entre os que não se vacinaram ou o fizeram meses após o início das aplicações

Foto: Nataliya Vaitkevich. Fonte: Pexels

Por Beatriz Capirazi, Elsa Villon, João Barbosa, Laura Intrieri e Marcos Cony

Se destacando em um cenário de queda generalizada na adesão à vacina, as populações mais jovens são as que menos estão tomando as doses de reforço do imunizante contra a covid-19 no município de São Paulo.

Dados da Secretaria de Saúde (SMS) do município mostram que menos de 15% da população com até 30 anos tem o esquema vacinal completo, com uma queda ainda mais acentuada na terceira dose de reforço, a bivalente. Dentre os mais jovens, a queda é ainda maior, com menos de 10% de jovens de até 24 anos tomou a bivalente no município de São Paulo.

Ainda de acordo com dados da SMS, houve baixa adesão do imunizante na população de 18 a 29 anos, com nenhuma das faixas-etárias chegando a 11% de vacinados.

Dentre o público de 25 a 29 anos, apenas 10,25% tomou a terceira dose de reforço. A adesão a bivalente diminui gradativamente na população de 20 a 24 anos (7,52%) e de 18 a 19 anos (5,3%).

A médica de vigilância epidemiológica da SMS, Melissa Palmieri, afirma que os jovens já costumam ter uma adesão menor à vacinação do que outras faixas-etárias, como os idosos.

Dados do VaciVida, divulgados no site da Prefeitura de São Paulo, confirmam a tendência de imunização por parte da população mais velha. Na faixa etária entre 75 a 79 anos representam a maior parcela da população com a cobertura vacinal, incluída a dose bivalente, completa, com 78,41%.

Segundo ela, jovens que já tomaram as versões monovalentes da vacina ou que tiveram a doença no passado sem progressão para um estado grave não veem a necessidade das doses de reforço. “Isso é um conceito equivocado porque a vacinação para Covid vai seguir o mesmo racional da vacina contra a gripe: você precisa fazer vacinações anuais de forma atualizada”, afirma Palmieri.

A especialista, que também é diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), destaca que outros dois fatores decisivos na baixa adesão dos jovens são a preguiça de se vacinar — por considerar a covid-19 como uma doença de baixo risco em 2023 — e o próprio esquecimento, considerando que a imprensa nacional deixou de fazer uma cobertura massiva relembrando a população da necessidade da vacinação há meses.

Nas redes sociais, estes dois pontos também têm sido uma das principais justificativas dos jovens para não tomar a bivalente. A maioria afirma ter tomado as primeiras doses da vacina, mas relatam que o “esquecimento” teria sido o motivo para negligência com a bivalente e a segunda dose de reforço — que também apresenta queda de adesão segundo a SMS, embora não tão latente quanto na terceira dose.

Além do esquecimento, outro muito citado nas redes sociais é a preguiça. “Preciso ir ao posto tomar a bivalente, mas como eu vou se o meu serviço me suga até o caroço?”, afirmou a internauta Romaniabeat no X, antigo Twitter.

Segundo os especialistas ouvidos pela reportagem, a preguiça é consequência direta da falta de percepção da covid-19 como uma doença grave, sem enxergar mais a vacinação contra o coronavírus como algo primordial.

O que diz a população

Um levantamento realizado pela reportagem com base em mais de duas mil publicações publicadas na rede social X, antigo Twitter, durante o mês de agosto mostram um cenário diferente na percepção da população em geral quanto aos motivos que levaram eles a não se vacinar.

Segundo a análise, feita através de ferramentas de Open Source Intelligence (OSINT), 6,1% das pessoas não se vacinou por motivos desconhecidos e apenas 2,9% não se vacinou por medo ou por preguiça. A pesquisa revelou que 18,2% por cento das pessoas que não se vacinaram foram influenciados por “desinformação”, que se refere a notícias falsas que foram propagadas associando a vacina a algum fator negativo.

No entanto, o levantamento demonstrou que 72,9% da população se vacinou tardiamente. Ou seja, após serem lembrados da necessidade de tomar a bivalente, eles passaram a aderir, demonstrando que a baixa propagação da necessidade da vacinação na mídia, por exemplo, pode ter sido um fator de peso na baixa vacinação.

Para chegar a tais dados, a reportagem fez buscas no X pelos termos de “bivalente”, “vacina”, “postinho” e “bivalente tomei”. Com as palavras-chave usadas, a reportagem levantou mais de 2 mil tweets brutos. Após a busca inicial, os dados foram refinados para que fossem selecionadas somente as publicações que tivessem relação com a proposta da reportagem em buscar por relatos que envolvessem especificamente a vacinação com foco na bivalente.

Com base nesta seleção, chegamos ao número de 624 publicações, separadas nas 4 principais categorias apontadas pelos usuários na rede social como justificativas para não se vacinarem.

Os dados indicam que 72,9% se vacinou tardiamente. Além de compartilharem este relato na rede social, as pessoas também se queixaram dos efeitos colaterais da vacina, que podem abranger desde uma simples dor de cabeça e dor na região da aplicação, até a sintomas mais severos, como calafrios, enjoos e vômitos.

O gráfico abaixo mostra as menções ao termo “bivalente” no Google, ao longo do mês de agosto, com recorte na capital paulista. O dia com maior volume de buscas foi em 31/08, data em que Rio de Janeiro e Distrito Federal confirmaram casos da nova variante de covid-19, denominada “Éris”.

‘Fim da pandemia’ foi fator relevante para números baixos

Embora preguiça e esquecimento sejam fatores citados comumente pela população, a médica da Secretaria Municipal da Saúde afirma que a baixa adesão a bivalente especificamente é consequência direta de diversos fatores.

Dentre eles, o fato de a Organização Mundial de Saúde (OMS) ter decretado o fim do estado de Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) referente à covid-19 em 5 de maio de 2023, um dia antes da cidade de São Paulo adotar em seu calendário oficial o início de aplicação da dose bivalente em maiores de 18 anos.

“[Esses dois fatos] podem ter contribuído com a percepção da população, principalmente porque na época foi noticiado em letras garrafais em todas as primeiras páginas dos jornais”, afirma o professor e diretor da divisão da clínica de moléstias infecciosas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Marcos Boulos, se referindo ao fato de que parte da imprensa nacional colocou o decreto como o “fim da pandemia” em suas manchetes.

Para Melissa Palmieri, estes dois fatos podem ter sido uma das justificativas para a baixa vacinação, mas em conjunto com outros fatores. “Não é só isso. É isso aliado à baixa percepção de risco em relação à doença”.

Outros fatores que teriam levado a diminuição da percepção da gravidade da pandemia e da necessidade de se vacinar foram o fim do estado de emergência e a redução das restrições sanitárias, segundo o doutor em psicologia e professor na Universidade Federal Fluminense (UFF), Maycon Torres.

“Se a experiência da pessoa não inclui lidar diretamente com pessoas doentes, a tendência é que isso faça com que ela inconscientemente tenha mais dificuldades para acreditar na existência do fenômeno”, diz.

Segundo os especialistas ouvidos pela reportagem, o fim da cobertura massiva da imprensa nacional em relação ao número de vacinados e número de mortes também pode ter afetado a percepção das pessoas.

“A comunicação intermitente faz parte da necessidade da população entender que está sobre risco. Se você não fala, essa percepção não existe e o comportamento não acontecerá. O esquecimento dito pelos jovens é porque não está saindo na mídia, não é mais pauta”, explica Palmieri.

A especialista, no entanto, não descarta que outros fatores, como os sintomas de reação relatados nas redes sociais, a falta de obrigatoriedade do comprovante de vacinação e o negacionismo possam ter sido pontos que também corroboram com a baixa adesão a bivalente.

SMS afirma ter adotado ações para contornar baixa vacinação

Para driblar a persistência do problema, estratégia sendo discutida no âmbito do Programa Nacional de Imunizações é a de, no futuro, dar gratuidade às doses adicionais somente para grupos de risco.

A expectativa é que a gratuidade seja concedida para pessoas abaixo dos 5 anos, acima dos 60 anos e para grupos de risco. “Com a covid-19, é esse o racional que está sendo discutido. Provavelmente será esse, mas só teremos certeza o ano que vem”, explica Palmieri, afirmando que o valor seguirá a precificação de mercado.

Ela explica que provavelmente as vacinas do coronavírus seguirão o processo que já é adotado com as vacinas de gripe, por exemplo. “Existe a gratuidade no serviço público em grupos de desfechos graves, mas depois nós temos pessoas que podem pagar a vacina e adquirem a vacina de gripe no serviço privado”, diz.

A especialista não descarta a possibilidade de surgir uma polêmica quando for anunciada a notícia de haverá um custo atrelado à vacina no futuro, mas destaca que a gravidade maior é o fato de as doses estarem disponíveis e não terem mais aderência na população jovem. “Sempre a população vai se queixar. Mas o que é mais grave nesse momento é que existe gratuidade, mas a população não está procurando”.

Palmieri afirma que a Secretária de Saúde não está “medindo esforços” para dar acesso à vacina atualmente, indo em diversos espaços públicos como parques e metrôs. “A dica principal é as pessoas se atualizarem esse ano, porque muito provavelmente o ano que vem os públicos que têm gratuidade desse ano não terão o ano que vem”. Ela descarta a possibilidade do retorno do comprovante de obrigatoriedade da vacina em espaços públicos, por exemplo, para impulsionar o aumento agora, embora um fator de obrigatoriedade aumente a cobertura. “Têm a sua efetividade, mas não trabalha com a questão de colocar esse comportamento na sua vida, vacinação é um pacto social”, destaca.

Boulos é da mesma opinião. O professor acredita que a solução para o problema não deve envolver restrições de acessos dos que ainda não completaram. O caminho, ao invés disso, deve passar pela conscientização. “Se você não se preserva, você não só pode pegar doenças, como também a transmite para as pessoas mais fragilizadas, como crianças e idosos”, diz.

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